De A a Z para a Música na Educação

De A a Z para a Música na Educação... por Margarida Fonseca Santos

Margarida Fonseca Santos

Margarida Fonseca Santos (n. 1960, Lisboa)

Foi professora de Pedagogia e Formação Musical em várias escolas, nomeadamente na Escola Superior de Música de Lisboa. Estudou Escrita Criativa, Escrita para Teatro, Guionismo e Curta-Metragem.Tem mais de 100 livros publicados, sendo a maioria na área infantojuvenil, estando mais de metade incluídos no PNL. Publicou dois livros de canções para os mais novos. Dinamiza oficinas de escrita para professores, alunos e adultos. Alguns dos seus romances são De Nome, Esperança (2011) e De Zero a Dez (2014). Publicou, em 2015, o livro AltaMente – treino mental e uso pedagógico da metáfora. A coleção «A Escolha é Minha» (da 20|20) é o seu projeto mais recente, e que corresponde a uma atitude perante o dia-a-dia: podemos não controlar o que nos acontece na vida, mas podemos sempre decidir como vamos reagir a partir daí. É responsável pelo projeto Histórias em 77 palavras, recomendado pelo Plano Nacional de Leitura 2027, tendo publicado o livro Desafios em 77 Palavras.

www.margaridafs.net
margaridafs7@gmail.com
www.77palavras.blogspot.pt
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Fiz a insana proposta à Manuela Encarnação de escrever todas as entradas em 77 palavras. Aceitou! Porquê 77? Porque sim, porque é para mim um projeto que me define, «histórias em 77 palavras», e porque é uma fonte extraordinária de descoberta, de inovação, de redefinição de limites, de amizade, criatividade, e sem ela não sobrevivo. Deu jeito? Nem por isso, mas o prometido é devido e os textos ficam maneirinhos. Como esta introdução, tem exatamente 77 palavras…

Clique no seguinte link para ler este A a Z:

A

de aprender enquanto se ensina

Não consigo conceber o ensino sem aprendizagem. Insisto sempre nisto por acreditar que é verdade, mas também por que me aborreceria de morte de outro modo. E guardo alguns momentos incríveis, como na Academia de Amadores de Música, com José Salgueiro, João Lucas, Paulo Amorim, tantos outros, que me ensinaram muito mais do que imaginam. Harmonias jamais ouvidas, repertório desconhecido. Só preparados para aprender com os alunos progrediremos enquanto pedagogos, tanto na música como em qualquer área.

B

de Baganha (ou seja, Batota)

Baganha, uma personagem de «O Segredo da Floresta», o meu segundo livro de canções. O primeiro cresceu nas aulas, compondo-as para as crianças. No «Histórias de Cantar» está «O amigo». Escrevi-a e não sabia se estaria boa ou lamechas. Pedi ajuda aos miúdos. Disseram-me que tocasse e cantasse, que repetisse, repetisse mais uma vez. À quarta, cantaram com uma afinação emotiva. Por fim, disseram: «Está linda!». Chorei. Continua a ser uma das mais queridas, incrível, não é?

C

de Constança Capdeville

Tive a sorte de fazer a disciplina de Contraponto com Constança Capdeville. Junto de outros apontamentos da passagem pelo Conservatório Nacional, guardo estes com muito carinho. Às vezes, ia ter com a Constança a outros sítios para ter aula. Ensinava-me tanto! Fiquei a adorar contraponto. Escrevia B ou MB nos exercícios bem feitos, pura magia. O cuidado de elogiar uma tarefa bem feita, e isto continua a ser tão raro. Podemos não esquecer isto, sobretudo na música?

D

de descoberta

Descobrir a música e crescer assim na aprendizagem é, do meu ponto de vista, o principal caminho do ensino. Há pouco li que o ensino correto (noutras áreas) se faz no pré-escolar, porque se ensina a descobrir, a experimentar, a pôr as mãos na massa para moldar o conhecimento. Vamos ficando preocupados com matérias, notação, teoria, etc., afastamo-nos da descoberta. Ser professor de iniciação musical é dificílimo, mas não devíamos estar sempre a fazê-lo? Dá que pensar…

E

de Elisa Lamas

O meu conhecimento harmónico e da formação musical mudou quando conheci Elisa Lamas. O primeiro período de aulas foi alucinante, não escrevemos nada. Ouvíamos, repetíamos, entendíamos, cantávamos, e, por fim, chegávamos ao conhecimento. Uma Educadora com E maiúsculo, uma alfabetizadora da música. Aprendi com Elisa Lamas como arar o campo antes de semear, arrisco quase dizer que as minhas dúvidas sobre o que queria ser profissionalmente se dissiparam quando a conheci. Aprendi a trabalhar ouvidos menos dotados.

F

de Francisco Cardoso

E quando os alunos nos lançam na descoberta de outras formas de pensar a música? Conhecer o Francisco foi espantoso. Ganhei muito como amiga, mais ainda quando levávamos miúdos incrédulos a construir, numa semana, o enredo, as letras das canções e os temas musicais de um espetáculo levado à cena à sexta-feira, onde tocavam, cantavam e representavam. Tinham 8 a 12 anos, empenhavam-se tanto. Quando acabava o espetáculo, gritavam de alegria – conseguimos! Criar = forma ideal de aprender.

G

de Gregoriano, Instituto Gregoriano de Lisboa

O Instituto Gregoriano de Lisboa foi a escola onde mais gostei de ensinar. Entrei pela mão da tão impressionante Helena Pires de Matos. Talvez nunca devesse ter deixado esta escola. Tinha, continuo a ter, um grande orgulho no trabalho aqui feito, pois os alunos vindos do IGL entram sempre sólidos na ESML. E continua sempre, começando cada vez mais cedo, num valioso trabalho em articulação com escolas básicas. Foi este o legado de Helena Pires de Matos.

H

de harmonia

A educação harmónica, no ensino da música, desde os primeiros passos, é, para mim, fundamental. Aprender a descobrir a harmonia, escolhendo por tentativa erro os caminhos harmónicos para, por exemplo, harmonizar uma canção, não serve apenas para estruturar a compreensão tonal, mas também a afinação, a intenção do movimento melódico, a possibilidade de, ao cantar a vozes, sentir a harmonia na coerência de cada voz. A harmonia, da iniciação à mestria, é intuitiva e estruturante. Apostemos nela.

I

de interior, da audição interior que nos acompanha sempre

A audição interior é a maravilha da educação musical. Neste meu mundo partilhado com a escrita e o treino da mente, comecei a cruzar conhecimentos e, como não podia deixar de ser, a audição interior foi o ponto forte. Na dificuldade da aprendizagem da leitura (de texto), construir uma boa «base de dados» sonora interior é fundamental para avançar. Os maus leitores, soletram, não entendem palavras e frases por isso. Quando descobrem a audição interior, tudo muda!

J

de Jorge Moyano

Fui aluna de piano de Jorge Moyano. Com tudo o que fui dizendo até aqui nas outras entradas, encaixa-se o que foi começar a ter estas aulas, começar a entender a música. A análise do que tocava estava sempre presente, pois chegar à reexposição numa sonata é isso mesmo, reexpor, toca-se com essa intenção, assim como um desenvolvimento nos revela outros cruzamentos. A possibilidade de juntar análise com interpretação transformou-me e transformou a minha visão da música.

K

de knocked out

Foi isto que aconteceu e tocou-me profundamente. Tinha escolhido uma determinada obra para os tão afamados (e odiados!) ditados com buracos, ou seja, por partes para preencher. Piano e clarinete, salvo erro. Tinha chamado a atenção para a estrutura, que iria ajudar os alunos a encontrar soluções. De repente, um aluno disse-me: Desculpe, Margarida, mas eu não quero escrever nada, quero ouvir, é tão bonito. E eu pensei: estás cheio de razão, vamos ouvir. E assim fizemos.

L

de leitura versus ditado

Depois de dizer mal do ditado, explico-me. Em que situação, na vida de qualquer músico, se é posto perante uma partitura com espaços em branco, ou uma pauta para escrever uma sequência de sons (nos ouvidos absolutos, de intervalos para os outros), se teve apenas 6 vezes para isto ou aquilo? Ser músico é tocar, primeiro que tudo, e, querendo tocar obras de outros, é ler, interpretar. Tirar de ouvido é tão mais interessante… ao nosso ritmo.

M

de memória

Quem estuda piano sabe – tem de se decorar o que tocamos a solo. E, afinal, alguém ensina a memorizar? Alguém explica que há diferentes memórias, como se pode treinar a memória de forma contínua e consistente, como a memória se adapta ao que dela queremos? Ora aí está um hábito que podia deixar de tirar sono a tantos. A memória ensina-se e treina-se, desenvolve-se, acontece mais depressa espontaneamente do que se formos obrigados a memorizar. Pensemos nisto.

N

de notação

Como pode ainda «aprender música é aprender notação» assombrar as aulas de Pedagogia? Deixem-me contar-vos a confirmação em EB1 de Algés, Pedreira dos Húngaros, no MUS-E. Cantávamos, sabíamos harmonizar de ouvido, sabíamos funções tonais, brincávamos com sensíveis, compúnhamos, mas um dia a professora disse que tinha pena, os alunos não sabiam ler. Arrisquei ― pus linhas e leram, dividi tempos binários e ternários e leram, riram-se por ser simples. Ela só dizia: mas como?! Porque sabem música, respondi.

O

de oportunidades

Acredito nisto como, salvo seja, numa religião: a capacidade de adaptar a aula aos grupos que estão connosco, seguindo o curso daquilo que surge, mesmo fugindo do nosso plano de ação. Tantas vezes a pressa de avançar nos tolda o discernimento. Alguém falou numa canção que parece ter um detalhe interessante? Paremos, falemos sobre ela, cantando, ouvindo, reconstruindo o saber com casos práticos, do dia-a-dia. Arrisquem, as aulas são para os alunos! As aprendizagens são mais fortes.

P

de Paul Hindemith

Às vezes, os malabarismos podem ser muito educativos. No meu tempo de aluna (e nos primeiros momentos enquanto professora), os exercícios do «Adiestramento Elemental para musicos» faziam parte dos recursos. Cantávamos, com ritmos para ler ao mesmo tempo, havia até professores que exigiam que se batesse o compasso ao mesmo tempo. Difícil? Sim, mas divertiam-nos… Foi à custa deles que, um dia, me voaram uns óculos! Fazem falta esses malabarismos divertidos, concebidos como malabarismos para dar desenvoltura!

Q

de querer sempre mais, a esperança no ensino

Mesmo depois de deixar o ensino da música, por impossibilidade física (e porque a escrita esperava por mim), fui sempre repetindo esta frase: «no dia em que deixarmos de ter esperança nos nossos alunos, teremos de deixar de ensinar». No dia em que não estivermos à espera de ser surpreendidos com um avanço ousado, com um salto de qualidade, não devemos continuar. Esperemos comovidos pelo avanço, pela emoção. Foi para ver crescer que escolhemos esta profissão, certo?

R

de rótulos, dar rótulos ao que já se sabe

Retiremos os rótulos que pomos aos alunos. Pegando na entrada anterior, sabendo que, se esperarmos apenas pouco, será pouco o que recolheremos, deixemo-los crescer para lá do que pensamos de cada um. Não é fácil: este desafina, este não tem ritmo, é pouco musical ― são estes os pensamentos que nos podem induzir em erro. Podia contar-vos momentos incríveis! Em vez de «este é», perguntemos: «o que posso fazer para que afine melhor?» O segredo é esse.

S

de sistemas de representação mental

Lidar com a dor fez-me trabalhar a mente. Assim, descobri coisas que devia saber antes de entrar numa sala de aula e que, sem este percalço, não saberia: os sistemas de representação mental. Não deixem de saber mais sobre isto. Os nossos alunos podem ser visuais, verbais e auditivos, cinestésicos, misturas várias de todos estes. E aquilo que fazemos para que aprendam música, precisa de aparecer em vários sistemas. Experimentem, é muito gratificante o que se consegue.

T

de treino da mente

Continuando a entrada anterior, treinar a mente inclui: memória, atenção (não chega dizer para estarem com atenção!, temos de a treinar), desenvolver os sistemas de representação mental, ligar a emoção à aprendizagem e execução. Tenho feito muitos workshops sobre isto e o efeito é sempre este: se é tão simples e tão útil, porque não o fazemos? Porque se fala pouco disto. O que vos posso dizer é que, uma vez aprendido, modifica a forma como trabalhamos.

U

de utilidade da formação musical

Vou ser um pouco provocadora. Dizia isto nas aulas de pedagogia: atenção, há países que não têm formação musical. É verdade! E não deixam de ter excelentes músicos. A leitura e a escrita servem um propósito: partilhar partituras, poder saber o que outros escreveram, poder cantar uma obra coral, tocar numa orquestra, e por aí adiante. A disciplina «educação musical» não é um objetivo, é uma ferramenta. Se perdermos este foco, podemos estar a não ensinar nada.

V

de viagem cultural

Falemos da música fora das academias e conservatórios. Deixemos de parte o solfejo e viajemos no mundo das canções. Ouvir, escrever letras, compor canções é uma viagem cultural. Na nossa missão de ter mais pessoas a gostar (e consumir) música, trabalhar canções leva-nos a descobrir o mundo dos outros, o nosso mundo interior, a intervenção e o desabafo, a alegria e a perplexidade (a afinação, o prazer). Se só pudéssemos fazer uma coisa, eu diria: escrevam-se canções!

W

de Edgar Willems

Ah, a pedagogia de Willems. Gostava de salientar duas que me tocam. Uma é como se modifica a intenção ao cantar, quando as crianças sentem a afinação como um imperativo da lógica tonal (ou outra). Damos aulas com piano, quase sempre, numa afinação temperada. Mas deveríamos procurar essa afinação sensível. E nunca esqueço estas suas palavras: o mau músico, ouve o que tocou; o mediano, ouve enquanto toca; o bom músico, ouve antes de tocar. Intenção = mestria.

X

de Xanax

Foi assim que, sem eu saber, ficou conhecida a canção «O girassol» entre os meus alunos da ESML. Xanax ou Lexotan, tanto faz. Diziam que, se as turmas estavam agitadas, bastava cantá-la para sossegarem. Cantar, rir, ler em silêncio ou ouvir uma história, são boas formas de ativar a atenção e o foco, são formas de treinar a atenção. Escrevi-a para uma das minhas sobrinhas, mas pensando nos meus filhos. É diferente, quando escrevemos com o coração.

Y

de Yehudi Menuhin

Cristina Brito da Cruz, lembras-te? Pediste-me que fosse contigo a Berna (sim, onde nunca conseguia descobrir o nosso quarto dentro do hotel) para assistirmos a aulas em escolas complicadas (diziam eles…). Um projeto de Yehudi Menuhin ― MUS-E ― que irias implementar em Portugal. Recusaste fazer um gueto dentro de um gueto, e conseguiste financiamento para todas as turmas, e não só duas. Revolucionaste o ensino naquela escola e as nossas cabeças, fiel à ideia do Mestre. Agradeço-te imenso!

Z

de Zoltán Kodály

É pouco original, e a Cristina Brito da Cruz é mestre nisto. Quando juntas começámos o projeto MUS-E na EB1n.º1 de Algés, apoiei-me no fantástico dó móvel. Em muito pouco tempo, aquelas crianças do segundo ano sabiam cantar e sentir a tonalidade, conhecer a fundo a lógica tonal, e a utilizar os gestos e os sons. Divertia-os tanto que evoluíam depressa. Meninos com condições de vida terríveis, famílias destroçadas, felizes com as artes, uma lição de vida.

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Cantar Mais – Mundos com voz é um projeto da Associação Portuguesa de Educação Musical (APEM) que assenta na disponibilização de um repertório diversificado de canções (tradicionais portuguesas, de música antiga, de países de língua oficial portuguesa, de autor, do mundo, fado, cante e teatro musical/ciclo de canções) com arranjos e orquestrações originais apoiadas por recursos pedagógicos multimédia e tutoriais de formação.

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